domingo, 6 de novembro de 2016

Homens do Mar - Manuel Gonçalves Viana - 22

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Fotografia, a bordo, retratada em painel de azulejo
Depois de uma troca de impressões com o Sr. Hélder Viana, veio à baila, a vida marítima de seu Pai, cuja casa na dita Avenida dos Capitães, última à direita, para quem volta à Malhada, tem aplicado um painel de azulejo do primitivo dono, a sépia.
Sabia de quem tinha sido a casa, perfeitamente, mas nunca aliei o painel de azulejo ao seu proprietário.
Às vezes, parece que andamos de olhos adormentados, pela rua…
O Sr. Capitão Manuel Gonçalves Viana nasceu em Ílhavo, terra de mareantes, a 23 de Março de 1901.
Casado com a Senhora D. Idalina Grilo, teve quatro filhos: a Maria Ofélia (já falecida), a Maria Francelina, a Eneida Maria de quem fui colega no, à época, Externato de Ílhavo e o Sr. Hélder Viana, cujo conhecimento já tem uns bons pares de anos.
Possuidor da cédula marítima nº 4783, passada pela Capitania do porto do Porto, em18.6.1914, terá começado, por essa altura, a sua vida de mar.
Atraído pelo oceano desde muito jovem, embarcou com 12 anos, logo que fez o exame da 4ª classe, na chalupa Portuguesa, que, na Grande Guerra de 1914, foi metida no fundo por um submarino alemão quando demandava, a reboque, a barra do Douro. A tripulação foi salva pelos seus camaradas do rebocador, que o inimigo generosamente poupara.
Conheceu vários navios, e suportou a dura vida do mar com coragem, tendo-se esforçado por conseguir uma posição de relevo na sua profissão., não só como bom navegador, mas também como bom conhecedor dos Bancos piscatórios da Terra Nova e Groenlândia. Depois de ter comandado navios de arrasto no Cabo Branco, regressou à faina bacalhoeira. Nesses mares do Norte, sofreu, como piloto, em 1934 o naufrágio do lugre Ernâni, que desapareceu envolto em chamas, sob o comando do capitão Joaquim Fernandes Agualuza (Quim da Graça) e em 1935, no dia 12 de Julho, o do lugre Santa Joana (um dos quatro Santas que tivera pescado pela primeira vez, na Groenlândia, em 1931), que fora abalroado por um navio de pesca norueguês, na Groenlândia, conforme protesto existente no Ciemar. Era capitão o Sr. Francisco dos Santos Calão, irmão do meu Avô Pisco.

O lugre Santa Joana. Anos 30

Relativamente ao lugre Ernâni, a que já aludi, pertença da sociedade Testa & Cunhas, o seu naufrágio resultou de um incêndio na cozinha, devido a óleos fritos e similares, vertidos do fogão para trás deste – algum lixo e incêndio a bordo!...Decorria o mês de Julho!... Houve muita dificuldade em obter notícias concretas do sucedido e do destino de sua tripulação, ao ponto de a própria empresa ter enviado dois telegramas ao Ministério da Marinha que os remeteu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, na esperança de sossegar a nossa vila maruja e, porventura, outras terras que teriam fornecido a restante tripulação. Só em meados de Agosto, se teve conhecimento que, de facto, o navio se havia perdido, mas sem perdas humanas e que a tripulação se encontrava dispersa por vários navios pesqueiros. Segundo notícia de O Ilhavense de 16 de Setembro, deu entrada no porto da Figueira da Foz o lugre Lusitânia, a bordo do qual vinham seis tripulantes do lugre incendiado, entre os quais o capitão, Sr. Joaquim Fernandes Agualuza.
Nas safras de 1936, 37 e 38, exerceu o cargo de piloto, no lugre Santa Izabel, construído em 1929 para a Empresa de Pesca de Aveiro, sob o comando de Francisco dos Santos Calão (36 e 37) e João Ventura da Cruz (38). Outro dos quatro Santas que havia pescado pela primeira vez nos bancos da Groenlândia.
Começa a dar-se para Gonçalves Viana a transição da pesca à linha de bacalhau, para o arrasto lateral.
Na safra de 1940, embarcou, de imediato (duas viagens) no arrastão de pesca lateral, Santa Joana (o primeiro arrastão clássico que houve, em 1935), pertença da EPA, sob o comando de Francisco dos Santos Calão e pilotado por João Simões Ré.
E, de volta à pesca à linha, nas safras de 1941 a 45, habitou no lugre Groenlândia – duas viagens de piloto, duas de imediato e a última, a de 1945, de Capitão. Nas quatro primeiras, comandou o navio, o Sr. João Fernandes Matias Júnior, de alcunha Britaldo.
O lugre com motor Groenlândia, ex-Viana, ex-lugre-escuna Groenlândia, foi reconstruído nos estaleiros de António Mónica, em 1940, para Armazéns José Luís da Costa & Cª Lda., para a campanha de 1941, em que levou a bordo o jornalista Jorge Simões que viria a escrever Os Grandes Trabalhadores do Mar. O piloto Manuel Viana aí é referido algumas vezes, p. 219 e 227, da reedição de 2007, intitulada Heróis do Mar.
Definitivamente, passou para o arrasto lateral.
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O lugre Groenlândia

De 1946 a 1952, inclusive, foi oficial do arrastão João Corte Real, como imediato, nas viagens de 1946 e 47 e primeira do ano de 1948, sob o comando de Manuel Pereira da Bela (46), Manuel Simões Ré (47 e 48) e como capitão, até 1952. Durante estes anos, teve como imediato ilhavense, António de Morais Pascoal (49).
O arrastão clássico João Corte Real pertenceu à SNAB, e o gémeo Álvaro Martins Homem, como já aludi, foram os dois primeiros arrastões a serem construídos em Portugal, na CUF, em 1940.

Manuel Gonçalves Viana, a bordo

De 1953 a 1962, inclusive, foi oficial do arrastão David Melgueiro, como capitão, tendo realizado duas viagens nos anos de 1955, 56 e 62.
Este arrastão, de aço, foi construído na Holanda em 1950 para a SNAB, de Lisboa (1951).
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Na viagem de 1957, o médico de bordo, Bernardo Santareno, pseudónimo de António Martinho do Rosário, foi começando a colher dados para os seus escritos, crónicas de viagens e peça de teatro… não ficando por aí nas viagens ao bacalhau. Em Nos Mares do Fim do Mundo,  ao folhear, recolhi uns excertos:
 – Enquanto o David Melgueiro se afasta, mais e mais, de Lisboa, eu surpreendo-me com as mãos abertas ao vento (…)
Pela primeira vez neste ano, vai ser lançada a rede ao mar.
Na ponte, o nosso capitão dirige a pesca: Samarra, grossos tamancos, uma longa manta-cachecol traçada à volta do pescoço e luvas de lã. Cabelos grisalhos, revoltos e descobertos.
Voz rouca, com claridades ardentes de sal e negrumes de mar sem fundo:
– Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e de Sua Mãe Maria Santíssima, lancem a rede ao mar!
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À época, enquanto capitão do arrastão lateral David Melgueiro, deu várias entrevistas ao Jornal do Pescador, pelos anos 50 e 60, nomeadamente, em Fevereiro de 1957, Março de 1958 e de 1961, acerca da frequência do Curso de utilização de radar e em conversa com o repórter do referido Jornal com os colegas João Simões Ré, capitão do arrastão Fernandes Labrador e Humberto das Neves Martins, capitão do arrastão Álvaro Martins Homem, natural de Olhão, sobre a vida no mar e perspectivas de pesca. 

Arrastão lateral David Melgueiro
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Os imediatos que teve, normalmente, não eram de Ílhavo.
Na campanha de 1963, passou para o comando do arrastão Estêvão Gomes, também de 1950. E nas safras de 1964 e 65, comandou o também arrastão lateral da mesma sociedade, Fernandes Lavrador.
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O Fernandes Lavrador entre growlers
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E por aqui ficou, em questão de campanhas ao bacalhau.
Parecendo gozar de boa saúde, no dia 4 de Fevereiro de 1971, num acidente, do qual ainda hoje não se sabem propriamente as causas, perdeu a vida, este oficial náutico muito considerado, em  viagem longínqua e eterna.
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Imagens – Arquivo pessoal e gentil cedência do filho Sr. Hélder Viana
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Ílhavo, 17 de Outubro de 2016
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Ana Maria Lopes
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