quarta-feira, 29 de março de 2017

Homens do Mar - Manuel Fernandes Pinto Júnior - 31

-

Manuel Fernandes Pinto Júnior
-
O prometido é devido… Só que sem prazo, neste caso. Prometi ao filho João Manuel dedicar um post do Marintimidades ao Ti Manel Pinto, como era carinhosamente tratado. E parece que chegou o momento, neste domingo de nortada.
Andei, de manhã, à volta dos apontamentos, das fotos, da livralhada e julgo estar na posse de elementos que me permitam fazê-lo.
Manuel Fernandes Pinto Júnior, nado (20 de Janeiro de 1923) e criado em Ílhavo, – só já o conheci, morador para as bandas da Malhada –.
Era portador da cédula marítima 22353, passada pela Capitania do Porto de Aveiro, em 9 de Março de 1938.
Foi mais um destemido homem do mar, de tantos que o «nosso Ílhavo» para lá destacou…
Tinha uma biografia marítima fácil – pensava eu. Alguma vez uma vida profissional de mar poderia ter sido fácil?
Queria eu dizer que o seu tempo de mar se passou apenas entre navios de dois armadores – o Egas Salgueiro e os Cunhas e a pesquisa ter-se-á tornado mais branda.
A primeira vez que fui lá a casa, pelos anos 90 do século passado, conheci a sua mulher, Maria Filomena Nunes, que me disse ter sido colega de escola da minha Mãe, nas aulas da Professora D. Nazaré Cruz.
Claro, batia certo!
Mas o Manuel Pinto, sendo, hoje, o Homem do Mar visado, é o meu objectivo principal. Terá começado a sua carreira profissional na pesca do bacalhau com 16 anos, como moço do navio Santa Mafalda, sim, um veleiro de três mastros daqueles que foram à Groenlândia, em 1931. Tentativa gorada, em 1930, mas promissora, no ano seguinte.
Serviu como moço durante as campanhas de 1939, 40 e 41, sob o comando do Capitão João dos Santos Laruncho.
A vida de moço não era fácil. Na azáfama que era a vida do navio, o moço andava de pé todo o dia, qual equilibrista com o balanço que o mar lhe proporcionava. O moço de câmara servia as refeições aos oficiais, mas acabada esta tarefa, vinha logo ajudar para o convés. Era pau para toda a obra. Safa-me isto, safa-me aquilo – era muito solicitado. E ainda tinha de dar conta de tudo estava na rabada. Não tinha mãos a medir…
Na campanha de 1942, passou a moço de arriar e na de 43, a pescador (2ª linha). Se a vida de moço não era fácil, a de pescador tinha as características perigosas, rudes e difíceis, quase sobre-humanas, de que ouvimos falar e lhe são inerentes.

Botes com peixe à sarreta…
-
E na hierarquia da organização da pesca, dentro da sua formação, o Manel Pinto ia dando mostras de grande arrojo, sabedoria e sorte.
Nas campanhas de 1944, 45, 46 e 47, foi sempre subindo na categoria de pescador – de 2ª linha, para 1ª linha, até especial, o topo… Teria sido sempre um pescador cobiçado pelo capitão!
No final da campanha de 1947, o lugre Santa Mafalda, construído para a EPA por Manuel Maria Bolais Mónica, em 1929, sofreu transformações, foi vendido para a Parceria Marítima Esperança, Lda., onde viria a ser o Rio Caima. 

O lugre Santa Mafalda
-
E o Manel Pinto, com uma habilidade especial para tratar do seu enxoval e para fazer os sacos de lona que o albergavam, aí vai ele – de saco aviado, muda de armador e de navio e aí se queda até ao fim de vida profissional, em Testa & Cunhas.
Entra como pescador especial para o lugre-motor de madeira, de quatro mastros, Novos Mares, construído na Gafanha, em 1938, onde faz as campanhas de 1948 a 56. Aí reencontrou o Capitão João dos Santos Labrincha, Laruncho e conheceu os Capitães José Simões Bixirão, Ponche e João Fernandes Matias. No ano de 1956, em 21 de Julho, o Novos Mares naufragou por incêndio, no Virgin Rocks.
De 1957 a 1966, passou para o navio-motor, de madeira, São Jorge, construído na Gafanha da Nazaré, nos estaleiros de Manuel Maria Bolais Mónica, em 1956, com a categoria de pescador, chegando a contramestre (1964, 65 e 66).
-
(…) «Seja louvado e adorado Nosso Senhor Jesus Cristo, são quatro horas, vamos arriar». Come-se a «espessa sopa de feijão», bebe-se café.
O cozinheiro avia o pessoal: pão, umas postas de peixe frito, azeitonas, café, uma garrafa de água.
Arruma-se tudo no foquim, de mistura com anzóis, gagim, cigarros feitos na vigia. Veste-se a roupa de oleado.
«Vamos arriar com Deus» – ordena o capitão.
Teques às alças dos botes… olha o balanço, iça, iça, aguenta o socairo, bota-fora, agora, salta, arria, rápido (…).
-
Espalham-se os dóris, ora a remos, ora à vela. Ninguém repara na beleza e dinamismo desta largada. E afastam-se, afastam-se, consoante o instinto de cada «capitão».
O Manuel Pinto reencontrou, no navio-motor São Jorge, o Capitão João dos Santos Labrincha, Laruncho e conheceu os Capitães Ernesto Pinhal (61) e David Càlão Marques (de 63 a 69).
Em 1967, não pôde embarcar e, certamente, como prémio do seu bom desempenho, foi transferido para o navio-motor Novos Mares, construído em 1958, nas campanhas de 1968 a 74, com o cargo de contramestre, com o Capitão António de Morais Pascoal.
 
Novos Mares em St. Pierre. 1974.
-
Além das qualidades já referidas, revelou-se sempre grande trabalhador e fiel à empresa que durante anos e anos serviu. Continuou a fazê-lo, em trabalhos específicos de marinharia – cabos especiais, escadas de portaló, bóias, etc. e outros reparos ocasionais.
Além disso, o meu carinho especial pelo Manuel Pinto deve-se à grande ajuda, que deu à montagem da 1ª grande exposição Faina Maior - A pesca à linha do bacalhau, inaugurada, no nosso Museu, em 28 de Novembro de 1992.

A entralhar vela de botes, entre um poste e o portão de casa. 1992
-
Da feitura das velas de botes, da impermeabilização das roupas de oleado com óleo de linhaça fervido, até trabalhos de marinharia de cabos e lonas, de tudo fez um pouco. O Manuel Pinto também, em terra, foi um dos obreiros da Faina Maior.

Impermeabilização de velas e roupa oleada. 1992

Deixou-nos, com saudade, a 1 de Setembro de 2004, com 81 anos.
-
Ílhavo, 12 de Março de 2017
-
Ana Maria Lopes
-

1 comentário:

marmol disse...

O Novos Mares foi o último navio da pesca à linha que sobreviveu na campanha de 1974. Graças a ele os tripulantes do São Jorge, entre os quais me encontrava, foram salvos. A mão que me puxou para bordo ao cimo da escada de quebra costas foi a do contramestre Manuel Pinto. Paz à sua alma.