segunda-feira, 16 de abril de 2018

Homens do Mar - Alexandre Simões Ré - 45

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Cap. Alexandre Simões Ré

À laia de introito:

Circula por aí, entre a família Ré, a foto seguinte extremamente curiosa, que ainda não tinha conseguido.
Pessoa amiga, bisneta de um dos fotografados, ofereceu-ma, há dias bem como a sua identificação. Preciosa!!!Um rico folar de Páscoa!...
Trata-se de uma foto de estúdio, creio, à época, do jovem curso de pilotagem, em 1900.
O trajar dos rapazes seduziu-me – fatinho de calça, paletó e colete, camisa de colarinhos gomados e levantados, gravata, botim ou sapato fino, lencinho no bolso do casaco, à janota.
A maioria, de bigodinho a preceito, todos de cabeça coberta por chapéu de feltro escuro ou panamá, de palhinha, tipo galã. Que pose!... Fazendo parte de um curso de pilotagem de 1900, em Lisboa, viriam a ser futuros homens do mar – pilotos, imediatos e, mais tarde, capitães. Imagino…
Por grande curiosidade, estão todos identificados, bem como denominada a terra de onde são provenientes.
Dos dezassete fotografados, 9 são naturais de Ílhavo e dois, de Aveiro.
Constituem um belo quadro do nosso passado ílhavo! Mais uma prova de que Ílhavo forneceu grande quantidade de oficiais para o mar!
Dos de Ílhavo, em terceiro plano, chamo a atenção para o primeiro à nossa direita, também todo ajanotado – Alexandre Simões Ré (patriarca da família Ré, nascido em 1880), – o biografado de hoje.

Curso de pilotagem de 1900

Ora a origem do nosso Alexandre Ré começa logo com uma curiosidade – ele não é natural de Ílhavo, mas sim de Lisboa, freguesia de Belém, filho de João Simões Ré Júnior e de Ana Maria S. José, nascido a 19 de Agosto de 1880. Lembrei-me imediatamente dos ílhavos que iam para Lisboa, por esses tempos, e logo namoriscavam, acabando por casar com alguma das bonitas e elegantes varinas da capital. Teria sido um desses casos? Nada que não pudesse ter acontecido
Do casamento, em Ílhavo, a 22 de Fevereiro de 1902, com Maria Nunes Vidal, conhecida pela avó Ramízia, nasceu uma prole de oito irmãos – seis pequenos (João, José, Armindo, Manuel, Armando e Alexandre) e duas pequenas, Célia e Maria. Dos seis varões, quatro foram oficiais da Marinha Mercante e outro, Alexandre, foi também marítimo – motorista, tendo exercido funções de oficial maquinista. Depois de já me ter ocupado dos capitães Armindo e João Ré e do Sr. Alexandre Vidal Simões, nasceu-me uma vontade gradual de escodrilhar o percurso marítimo do velho Alexandre Ré, como, por vezes, era apelidado, que deveria, pelo menos, nos primeiros tempos, ter sido difícil e variado.
Era portador da cédula marítima nº 6845, passada na Capitania do Porto de Lisboa, em 6 de Maio de 1916, tendo exercido a profissão de pescador do bacalhau desde 1907.
Claro, tive de aceitar um percurso com algumas lacunas, que não consegui ultrapassar, mas também dei de caras com uma panóplia de lugres, cujo nome não me era nada familiar.
Surgiu-me pela primeira vez o seu nome como capitão, na escuna Loanda (1908-1917), no ano de 1912, pertença da Sociedade Africana da Pesca do Bacalhau, com praça na Figueira da Foz.
Nos anos de 1913 e 14, «saltou» para capitão do lugre-patacho Mindello (1902 a 1921), da mesma empresa armadora e da mesma praça, de que, curiosamente, obtive, há uns anos, um postal, num alfarrabista, em Vila do Conde.

Lugre-patacho, ao centro, na Figueira da Foz, num postal datado de 1905

Entre 1915 e 19, fiz os impossíveis, mas perdi-lhe o rasto. Tempos de guerra…, quem sabe?, mas socorrendo-me do livro Sete Séculos no Mar (XIV a XX), A Construção de Embarcações, de José Eduardo de Sousa Felgueiras, Volume III, pp. 224 a 226, edição do Centro Marítimo de Esposende, Fórum Esposendense, 2010, de que respigo umas frases-chave, relativas ao nosso capitão, encontrei-lhe o rasto.
Tenho, pois, de me reportar, ao lugre (?) Fãozense, construído para a Sociedade Marítima Progresso, Lda., de Fão, nos estaleiros locais por Domingos Carlos Ferreira & Filho, entre os anos 1919 e 1920. O primeiro capitão deste navio foi Alexandre Simões Ré, de Ílhavo, de quem a imprensa local dá conta da sua estadia em Fão, para acompanhar a construção.
Em 1921, o navio foi vendido à Parceria de Pesca Patriota, do Porto, que lhe deu o nome de Patriota 2º.

O Fãozense, já baptizado de Patriota 2º, aparelhado como lugre.

Entre 1921 e 1924 (inclusive), foi comandado por Alexandre Simões Ré. E mais uma vez se unem os chicotes. O jornal O Ilhavense de 21 de Maio de 1922 e o de 13 de Maio de 1923, assim o confirmam. Na viagem de 1922 (e possivelmente, também em 23), foi seu piloto, o filho, João Simões Ré.
Na safra de 1925, surge como capitão do lugre Paços de Brandão, também da praça do Porto. O Paços de Brandão era um lugre de madeira construído em 1920 em Marystom, Terra Nova, que veio a ser reconstruído em 1923 em Vila Nova de Gaia, para participar na campanha de 1924, sob a propriedade da firma Veloso, Pinheiro & Cª., Lda.

O lugre Paços de Brandão

E na safra de 1926? O nosso jornal de 9 de Maio de 1926, dá-o como capitão do lugre Silva Rios, sendo seu piloto, o filho José Simões Ré. Faltava-me mais este lugre. E não ficaremos por aqui.
Recorrendo a blogues credíveis, que no final citarei, o lugre Silva Rios foi o ex-Rio Minho, construído para o armador de Caminha, Francisco Odorico Dantas Carneiro, pelo construtor, também de Caminha, Manuel F. Rodrigues, em 1921. No final da década de 20, o navio foi vendido a Silva Rios, Lda., do Porto, que lhe alterou o registo para o Porto, lhe fez uma reconstrução e lhe mudou o nome para Silva Rios.
E as safras de 1927 e 28? Às vezes, não se encontram duas pecinhas de um puzzle, mas não há que desanimar. Alexandre Ré reapareceu.
Na safra de 1929, foi capitão do lugre de madeira Maria Carlota – o ex- Estrela I construído em 1918, em Dayspring, Canadá. Tomou o nome de Maria Carlota na campanha de 1927, propriedade de Nuno Freire Temudo de Viana do Castelo.
E de lugre em lugre, lá foi andando, num vaivém, de barra a barra.
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Lugre Maria Carlota. Foto de autor desconhecido.
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Segundo o jornal Beira-Mar de 27 de Abril de 1930, Alexandre Ré surge como capitão do lugre Adamastor, da praça do Porto, levando o seu filho José Ré, como piloto.O Adamastor, longe de ser o Adamastor cantado por Camões, foi um lugre construído em 1916, em Vila do Conde, por Jeremias Martins Novais, para o armador Estêvão Soares, do Porto, tendo sido vendido, em inícios de 1918, à Empreza de Navegação Portugal e Américas, Lda., também do Porto. Ao longo da sua existência, sofreu algumas transformações a bordo e novas classificações, tendo o armador, a partir de 1922, mudado a designação comercial para Empreza de Pesca e Navegação Portugal e Américas, Lda. Segundo o jornal Beira-Mar de 26 de Abril de 1931, Alexandre Ré surge como capitão do lugre América, da praça do Porto, levando o seu filho Armindo, como piloto. Este lugre de madeira, também sob encomenda de Francisco E. Soares, armador do Porto, saiu dos estaleiros de Vila do Conde, das mãos do construtor Jeremias Martins Novais, em 1915.
Em anos de crise, no ano de 1930 revelou um resultado catastrófico, tendo no ano de 1931, o produto da pesca melhorado consideravelmente, ao que se juntou o rendimento do óleo de fígado de bacalhau. O lugre foi colocado à venda em 1934, tendo sido adquirido pela Companhia de Pesca Transatlântica, Lda., igualmente com sede no Porto. O novo proprietário renovou a matrícula na capitania do Douro, rebaptizando-o com o nome de Infante, continuando a integrar a frota de navios da pesca longínqua.
E o «nosso» Alexandre Ré, de quem nos ocupamos, presentemente?
Nos anos de 1932 a 36, por lacunas de informação, e, provavelmente, por tempos de crise, perdi-lhe a esteira, mas, na safra de 1937, encontrei-o de novo, como capitão do velhinho Argus, pertença da PGP., com o filho Armindo, como piloto. Jamais as suas vidas profissionais se separaram. Na safra seguinte, de 1938, os papéis inverteram-se, tendo matriculado como capitão, o Armindo Ré, que, desta vez, levou como piloto, o seu pai, Alexandre. E a partir daqui, foi sempre assim.
E passemos ao lugre-motor, de aço, Creoula, de 1937, também pertença da PGP., o actual NTM, que é bem conhecido de todos nós.
Nas campanhas de 1939 e 40, Alexandre Ré foi o piloto, Armindo Ré o imediato, sob o comando de João Pereira Ramalheira (o Vitorino).
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À nossa direita, Alexandre Ré, no Creoula, em 39/40

Nas campanhas de 1941 a 43, seguiu-se o Argus, o novo/velho Argus, de aço, construído na Holanda, em 1939, imortalizado pela obra A Campanha do Argus de Alan Villiers. O trio da oficialidade manteve-se, já que em equipa ganhadora não se mexe.
Mas o lugre-patacho Gazela Primeiro meteu-se de permeio e tendo-se tornado Armindo Ré capitão deste mítico navio, o pai exerceu o cargo de imediato.
E assim foi entre as safras de 1944 a 48, inclusive. 
Constava tratar-se de pessoa sarcástica, de língua afiada, cáustico, má língua e com espírito de humor. Mas, toda a companha nutria por ele um certo respeito e carinho e tratava-o também por capitão pelo hábito de tantos anos que comandou. Já com avançada idade, embarcado no Gazela I em que, depois de tantos anos de capitão, exercia agora as funções de imediato sob o comando do filho Armindo, já descontraído e sem grandes preocupações, certo dia, enquanto os botes andavam fora a pescar, desceu do convés ao rancho e, cheio de frio dirige-se ao cozinheiro: – Eh Gestas, está um frio levado dum raio, arranjas-me aí uma canequinha de café, pá? Ao que o cozinheiro prontamente respondeu: – É para já, sô capitão. E o Gestas trata de encher uma caneca de café, da cafeteira sempre pronta em cima do fogão, e satisfez assim a vontade do velho Alexandre que, depois de se aquecer interiormente e exultar a boa qualidade do café, agradece e acrescenta: –  Ah rapaz, não há café como o teu. E sobe a escada de volta ao convés onde encontra o contramestre e comenta com ar de maldisposto: – Eh contramestre, o Gestas deu-me agora uma zurrapa dum café que até estou agoniado...
Estamos perante um caso de doze anos de fidelidade à Parceria Geral de Pescarias, de filho e pai, até ao momento em que Armindo Ré se estreou como capitão do navio-motor Vaz, da empresa Brites, Vaz & Irmãos, Lda., da praça de Aveiro. De saco de lona às costas, numa «nova emposta», lá ficaram mais perto de casa, pai e filho.
Durante as safras de 1949 a 51, Alexandre Ré aí foi imediato do filho Armindo, que, no seu navio, prolongou a carreira até 1969.
Aposentou-se em Novembro de 1957, depois de cerca de 50 anos de mar, servindo uma panóplia de veleiros de madeira e de aço, tão diversificados, de praças desde o Porto a Lisboa, passando por Figueira da Foz e Aveiro, onde finalizou o seu labor de mar, sem esquecer uma estadia em Fão para acompanhar uma referida construção.
Ainda lhe restaram alguns anos, para saborear a sua reforma, entre a família numerosa, que era.
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Saboreando o solzinho, no seu jardim.

Chamava malagueta à bengalita, com que se equilibrava na última etapa da vida. E não só, outros objectos da vida comum eram chamados como se de objectos marítimos se tratasse – de tal modo a vida marítima lhe estava interiorizada.
Deixou-nos a 2 de Fevereiro de 1967, vítima de uma trombose, com 86 anos.
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Ílhavo, 12 de Março de 2018
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NB. Consultados os blogues Navios e Navegadores, Navios à Vista e Piloto Prático do Douro e Leixões.
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Fotos – Amavelmente cedidas pela família e arquivo pessoal
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Ana Maria Lopes
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